Antigo retábulo da capela mor da Catedral de Viseu

O antigo retábulo da capela-mor da sé de Viseu (18 painéis), ou os quinze painéis que sobreviveram à sua desmontagem e que agora se expõem reagrupados no Museu Nacional Grão Vasco (o painel Calvário encontra-se no Seminário Maior de Coimbra), é uma obra fundamental para perceber que a pintura e os pintores provenientes dos Países Baixos meridionais exerceram uma influência decisiva sobre o gosto da clientela e sobre o trabalho dos nossos pintores. A obra foi uma encomenda do bispo de Viseu, D. Fernando Gonçalves de Miranda (? – 1505), manifestando a sua preferência pela pintura que se fazia na Flandres.

Apesar da polémica criada em torno da sua autoria, questionando uma série de dados objetivos como sejam a intervenção de duas mãos diferentes, e predominantes, ao nível do desenho preparatório e da fase de realização pictural, é de todo crível que um grupo encabeçado pelo pintor flamengo Francisco Henriques, ao qual se juntou o jovem Vasco Fernandes, o Grão Vasco, tenha criado este conjunto de tábuas para a capela-mor da Sé, entre 1501 e 1506.

As diversas cenas narrativas alusivas à Vida da Virgem, à Infância de Jesus e à Paixão de Cristo, não só mantêm marcas materiais da sua disposição original na estrutura do retábulo, em virtude da relação da pintura com a moldura, como foram rigorosamente programadas, de um ponto de vista formal, para a diferente altura a que o espetador as observava.

No conjunto, não só se reconhece a matriz nórdica, como é possível identificar modelos, figuras e cenários diretamente inspirados na produção, pictural e gráfica, dos “Primitivos Flamengos”, bem como em alguns aspetos da realidade local. Os painéis revelam um trabalho de grande realismo e atenção aos pormenores, visível na forma de representar os materiais e os ambientes que compõem as cenas.

No painel Adoração dos Magos, a figura do mago negro Baltazar é substituída por um índio do Brasil. A proximidade cronológica desta representação, considerada como a primeira na arte ocidental, com a descoberta das terras de Vera Cruz dá a esta pintura um valor histórico extraordinário. E entre muitos outros exemplos possíveis, na Apresentação de Jesus no Templo, o escudo português figura sobre o pórtico que deixa entrever um fundo arquitetónico.